Quem inventou o automóvel? Eis aí uma pergunta sem resposta. O automóvel não foi inventado, ele foi surgindo aos poucos no fim do século XIX. As carruagens já existiam, o motor a vapor foi inventado e alguem teve a ideia de coloca-lo em uma carruagem. Não deu muito certo, mas pouco a pouco as coisas foram evoluindo.
Gottlieb Daimler, fundador da atual Mercedes Benz, começou a desenvolver motores a combustão interna lá por 1880. Ele pensava em diversos usos para seu motor, não necessariamente para mover carruagens.
Em 1885 Karl Benz fez a primeira aplicação bem sucedida de um motor a combustão interna em um veículo. Construiu um triciclo motorizado montando um motor de um cilindro atrás do assento, horizontalmente, entre as rodas traseiras.
Réplica do triciclo de Benz
Parece que a coisa começou a ficar séria, de fato, em 1887 quando Emile Levassor, sócio da Panhard e Levassor, companhia francesa que fabricava máquinas ferramentas, conheceu Gottlieb Daimler e fechou acordo para utilizar seu motor a gasolina de “alta velocidade”.
A Panhard e Levassor, P&L como era conhecida, começou, então, a fabricar, artesanalmente, centenas de carros por ano pelo que chamava de Système Panhard: motor na frente, tração nas rodas traseiras e passageiros enfileirados atrás do motor, mais ou menos como hoje em dia.
Panhard Levassor
Em 1894 a P&L, sediada em Paris, era a principal companhia automobilística do mundo e seus carros eram fabricados um a um de acordo com o desejo do cliente. Não havia dois carros idênticos. O sistema de produção era artesanal.
Em 1905, menos de 20 anos depois de P&L ter começado, já havia centenas de fabricantes de automóveis na Europa e na América do Norte, todos produzindo em pequenas quantidades e de modo artesanal.
Um destes fabricantes era Henry Ford. Mas o sonho de Henry Ford era diferente. Ele não queria apenas fazer bons carros. Ele sonhava em popularizar o automóvel, fabrica-lo em larga escala, de forma barata, que todos pudessem ter. Ele começou em 1892. Em 1908, depois de muitos percalços como veremos futuramente no post dedicado a ele, lançou o famoso Modelo T, e achou que tinha atingido seu objetivo: tinha em mãos um carro fácil de ser fabricado, fácil de ser dirigido, e fácil de ser consertado. Ninguém precisava ser motorista ou mecânico profissional nem rico para ter e dirigir um Modelo T. Estas três qualidades fizeram toda a diferença e permitiram o início daquilo que hoje chamamos de indústria automobilística.
Eu me animaria a dizer que Henry Ford não inventou o automóvel, mas inventou a indústria automobilística.
A obsessão de Ford pela produtividade e pela padronização fez com que ele viesse a produzir seu Modelo T, praticamente sem alterações, até 1927 e quanto mais veículos ele produzia, mais o custo unitário caía. Era este o seu foco. Quando lançado em 1908 o Modelo T da Ford já era o carro mais barato do mercado de então custando algo em torno de 850 dólares. Lá por 1923, quando atingiu o pico de produção (2,1 milhões de unidades no ano) seu preço estava no entorno dos 350 dólares.
Ford T 1923
Este carro podia ser adquirido em nove versões diferentes todas montadas sobre o mesmo chassis e com os mesmos componentes mecânicos. Entre as versões disponíveis destaco: conversível para duas pessoas, aberto para quatro pessoas, sedan coberto para quatro pessoas e caminhão com compartimento de carga atrás.
Modelo T Conversível p/ 2 pessoas e caminhão abaixo
O sucesso de Ford foi inquestionável. Sua empresa e seu carro tiveram total liderança no mercado mundial até meados da década de vinte. Seu sistema de produção foi referência para todos os demais fabricantes e, salvo honrosas exceções, tipo alguns fabricantes europeus de carros de alto luxo, quem não o seguiu desapareceu. Mas o sucesso atrai competidores e aqui não foi diferente.
William Durant, americano, financista do tipo erguedor de impérios, começou a comprar diversos fabricantes de carros da época e, com eles, fundou a General Motors Corporation. Esta história será bem contada daqui a algumas semanas.
Além da GM formaram-se diversas outras companhias americanas produzindo carros pelo sistema desenvolvido por Ford. A Chrysler, a Nash, a Hudson, a Packard, a Studebaker, a Kaiser, a Willys das quais, em meados da década de 60, sobraram apenas as três grandes: GM, Ford e Chrysler. Nos anos 20, 30, 40 e 50 foi total o predomínio da indústria americana no panorama internacional.
É verdade que já antes da primeira guerra mundial (1914-1918) André Citröen, Louis Renault, Giovanni Agnelli (da Fiat), Herbert Austin e William Morris estiveram visitando as fábricas de Ford. Consta que Henry Ford, neste ponto, era extremamente aberto e discutia claramente suas técnicas, não fazia segredo. A guerra sobreveio e após seu término os anos difíceis de recuperação, o caos econômico, o forte apego às tradições, o nacionalismo e outras dificuldades foram retardando e dificultando a aplicação das novas técnicas de produção e a Europa, de fato, só começou a produzir carros pelo novo sistema nos anos que precederam a segunda grande guerra a qual acabou por interromper a produção para fins civis. Esta, a produção em massa para fins civis, só veio a ocorrer na Europa na década de 50, mais de trinta anos depois…
Nesta época o Japão nem existia como produtor de automóveis, mas isto é tema para outro dia. Acompanhe!
Fontes:
A máquina que mudou o mundo- James P. Womack, Daniel T. Jones & Daniel Roos- Ed. Campus-1992
Minha vida na General Motors- Alfred P. Sloan Jr.- Distr. Record- 1965
Um certo Mr. Ford- Upton Sinclair- Edição da Livraria do Globo- 1940
Fotos do triciclo de Benz e do Panhard & Levassor: Google
Fotos do Ford Modelo T: Catálogo da marca da época.