Histórias do velho Oldsmobile.
Histórias do velho Oldsmobile.

 

 

                      Em 1952 meu pai comprou um Oldsmobile Super 88, do ano. Era um belíssimo carro, motor V8 de 303 polegadas cúbicas (5.0l) desenvolvendo 160 HP, com câmbio automático de 4 velocidades. Acelerava de 0 a 60 milhas por hora (96 km/h) em 15 s de acordo com o teste da Car and Driver, performance fantástica para a época. Eu tinha apenas 11 anos e não podia dirigir aquela máquina que virou meu orgulho de garoto e minha paixão mecânica.
                     Acontece que em 1954, devido às dificuldades cambiais porque passava o Brasil que havia gasto todas as suas reservas importando bugigangas no pós guerra, o governo praticamente proibiu as importações e os automóveis se tornaram artigo de extremo luxo. Aquele Oldsmobile acabou ficando conosco até 1962 quando a indústria nacional já estava se consolidando e ele, finalmente, foi trocado por um nacional, muito inferior, mas zerinho.

Oldsmobile Super 88 1952

                           Pois eu acabei aprendendo a dirigir e passando boa parte de minha mocidade em cima deste carro do qual tenho ótimas recordações e muitas histórias para contar.
                           Tudo começou um pouco antes, quando minha mãe resolveu aprender a dirigir para poder levar à minha irmã e a mim para cima e para baixo. Decididamente não era o que ela fazia de melhor e, por causa disto, meu pai até comprou um Chevrolet 1950 Power Glide (automático) para facilitar as coisas. Este carro era um legítimo “tartarugão”. Gemia para sair do lugar e nem sentia quando se pisava fundo no acelerador. As respostas eram sempre lentas, tipo “Peraí, já vou”. Exatamente o oposto do velho Olds.
                             Na primeira vez em que ela pegou o carro novo para dirigir, num sábado à tarde, os dois já se estranharam e, por pura desobediência, o Olds se recusou a parar e entrou em baixo de um Austin que subia uma ladeira na nossa frente. A partir deste momento eu comecei a exercer as funções de co-piloto e navegador. Ela praticamente não saia sem minha companhia, eu orientando todas as manobras.
                            Com quatorze anos eu já tinha tamanho e também já sabia tudo de direção e as posições se inverteram. Eu dirigia e ela ia ao lado. Quando aparecia qualquer ameaça de policiamento eu saia rápido do carro e ela escorregava para a direção. O banco dianteiro era inteiriço e a alavanca do câmbio era na coluna de direção o que, aliado ao fato de não ter embreagem, facilitava muito este tipo de operação. Éramos assumidamente contraventores e nos divertíamos com isto.
                             Um dia aconteceu um fato insólito. Vínhamos rodando tranqüilamente quando dobro uma esquina e vejo a maior barreira armada ali, bem na nossa frente. Sem pestanejar paro e saio do carro, dou a volta e entro pela outra porta. Minha mãe que estava distraída custou um pouco para perceber e, na afobação, nem se deu ao trabalho de se acomodar direito na direção, ficou no meio do caminho e começou a dirigir , toda torta, do meio do banco. Aí lembrou-se que sua habilitação estava vencida e resolveu não parar. O inevitável aconteceu. Ela bateu em um carro parado na barreira, quase atropelou um guarda, e ainda assim seguiu em frente. Nunca ouvi tanto apito de guarda junto e ela só dizia: Não vou parar e foi indo, devagar e sempre, perseguida por dezenas de policiais apitando até que num cruzamento movimentado, logo adiante, fechou o sinal e ela teve que parar.
                                O mais incrível foi que, ao deparar-se com aquela fina senhora levando seu filho adolescente naquele imponente carrão, os guardas resolveram deixar por isto mesmo. Era melhor não comprar briga, sabe-se lá com quem. Eram, definitivamente, outros tempos.